sexta-feira, 30 de abril de 2010

Vermelho: Uma afronta à memória

OAB, ONGs e até a ONU condenam decisão do STF sobre anistia do Vermelho
O grupo de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional condenou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Anistia, que perdoa crimes cometidos tanto por agentes do Estado durante o regime militar assim como por opositores do regime punidos pela legislação da época. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também condenou a decisão do STF. Para a OAB, o STF adotou o “discurso do medo” para tomar sua decisão. Até a ONU criticou a decisão e pediu o fim da impunidade no Brasil.
“A decisão coloca um selo judicial de aprovação aos perdões estendidos àqueles no governo militar que cometeram crimes contra a humanidade”, afirmou o pesquisador da Anistia Internacional para o Brasil, Tim Cahill, em comunicado.
“Isto é uma afronta à memória dos milhares que foram mortos, torturados e estuprados pelo Estado que deveria protegê-los. Às vítimas e a seus familiares foi novamente negado o acesso à verdade, à justiça e à reparação.”
Em seu comunicado, a Anistia Internacional também criticou o Brasil por não seguir o exemplo de países vizinhos como Argentina, Chile, Bolívia e Uruguai que, de acordo com o grupo, levaram à Justiça acusados de crimes contra os direitos humanos durante os regimes militares nessas nações.
Na avaliação da Anistia Internacional, a decisão do STF, tomada na quinta-feira, deixa o Brasil em desacordo com leis internacionais que não permitem exceções para crimes de tortura e execuções extrajudiciais.
O Supremo decidiu, por 7 votos a 2, rejeitar uma ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil que pedia uma revisão da lei de 1979.
Na ação, a OAB questionou se a Lei da Anistia se aplicava aos torturadores, pois considera que o crime de tortura não se inscreve entre os “crimes políticos e conexos” previstos naquele texto e, por conseqüência, não poderia ficar impune.
O entendimento do relator do caso no STF, ministro Eros Grau, foi de que não cabia ao STF legislar sobre uma revisão da Lei da Anistia, tarefa que, segundo ele, caberia ao Legislativo.
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Victória Grabois classificou de “lamentável” o voto do relator pelo arquivamento do processo, que foi seguido pela maioria dos integrantes da Corte. “Tínhamos esperança. Eros Grau foi preso na ditadura”, disse Victória.

Para OAB, STF perdeu o bonde da história

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou em nota que o STF “perdeu o bonde da história’’ ao não revisar a legislação para que torturadores fossem punidos. “Lamentavelmente, o STF entendeu que a Lei de Anistia (6.683/79) anistiou os torturadores, o que, ao nosso ver, é um retrocesso em relação aos preceitos fundamentais da Constituição e às Convenções Internacionais, que indicam, de forma muito clara, que tortura não é crime político, mas crime comum e de lesa-humanidade, sendo portanto imprescritível”, disse o presidente nacional da OAB, criticando duramente a decisão.
Ele reconheceu, contudo, que não houve surpresa na decisão, já que pessoas ligadas ao Judiciário já teriam adiantado a derrota. “Isso demonstra o conservadorismo do Supremo. Isso demonstra o conservadorismo da sociedade”, disse Cavalcante.
Ophir entende que a “OAB fez a sua parte, ao exercer a cidadania na sua plenitude, interpretando o sentimento da sociedade, que queria que essa questão, fosse debatida”. E acrescentou: “A decisão do Supremo reproduz o discurso daquela época sombria em que se vivia sob o medo e sem liberdade. Caberá a história julgar a decisão do Supremo”.

ONU pede fim da impunidade

A principal autoridade das Nações Unidas para direitos humanos, a sul-africana Navi Pillay, também criticou nesta sexta-feira (30) a decisão do Supremo e pediu o fim da impunidade no Brasil. “Essa decisão é muito ruim. Não queremos impunidade e sempre lutaremos contra leis que proibem investigações e punições”, disse a alta comissária da ONU para Direitos Humanos.
No ano passado, durante sua primeira visita ao Brasil, Pillay já havia alertado que o País precisava “lidar com seu passado”. Há dois meses, em um encontro com o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, voltou a falar do assunto em Genebra, dando apoio a iniciativas que levassem a um fortalecimento da idéia de interpretar a Lei de Anistia à luz das leis internacionais de direitos humanos.
Pillay, que foi também quem julgou os casos de crime de guerra no Tribunal da ONU para Ruanda, confirmou que havia sido informada da decisão do Supremo e não disfarçava que a decisão não havia sido bem recebida na ONU. “Fiquei sabendo sobre isso hoje pela manhã”, disse, em tom de desagrado.
Ela se diz surpresa com o fato de o Brasil estar seguindo uma direção diferente ao que ocorre na Argentina e outros países latino-americanos em termos de investigações contra os responsáveis por torturas durante os regimes militares.
No Comitê contra a Tortura da ONU, os peritos independentes também não pouparam críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal. O Comitê é formado por juristas de reconhecimento internacional, vindos de todo o mundo.
“Isso é incrível e uma afronta. Leis de anistia foram tradicionalmente formuladas por aqueles que cometeram crimes, seja qual for o lado. É um auto-perdão que o século XXI não pode mais aceitar”, afirmou o jurista espanhol do Comitê da ONU, Fernando Mariño Menendez. “O Brasil está ficando isolado. Parece que, como na Espanha, as forças que rejeitam olhar para o passado estão prevalescendo”, disse, insinuando uma crítica também à situação em seu país onde o juiz Baltazar Garzon pode perder seu posto diante da tentativa de abrir os arquivos da Guerra Civil, há mais de 70 anos.
“Há um consenso entre os órgãos da ONU de que não se deve apoiar ou mesmo proteger leis de anistia. Com a decisão tomada pelo Supremo brasileiro, o País está indo na direção contrária à tendência latino-americana de julgar seus torturadores e o consenso na ONU de lutar contra a impunidade”, afirmou o perito contra a tortura da ONU, o equatoriano Luis Gallegos Chiriboga.
Ele lembra ainda que não há prescrição para os crimes de tortura. “Sociedades que decidem manter essas leis de anistia, seja o Brasil ou a Espanha, estão deixando torturadores imunes à Justiça que tanto se necessidade para superar traumas passados”, disse.
Outro perito do Comitê contra a Tortura, o senegales Abdoulaye Gaye, também mostrou ontem sua indignação. “Não há justificativa para manter uma lei de anistia. Se uma Justiça decide mante-la, isso é um sinal de que não quer lidar com o problema da impunidade”, afirmou.
Na ONU, cresce a pressão para que leis de anistia sejam abolidas em todo o mundo. Há poucos meses, a entidade recomendou à Espanha que julgasse finalmente os crimes cometidos na Guerra Civil. Sobre o Brasil, o tema da anistia está na agenda da ONU há uma década. Em 2001, um comitê da ONU sugeriu pela primeira vez ao governo brasileiro que reavaliasse sua lei de anistia. Os peritos já deixaram claro que o Brasil não conseguiria esclarecer seus problemas em relação à tortura e superar a impunidade se não lidasse com seu passado.


Da redação,

com agências

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/vermelho-uma-afronta-a-memoria.html

domingo, 25 de abril de 2010

Declaração de Voto - Por Frei Betto

Voto este ano, para presidente da República, no candidato decidido a implementar reformas estruturais tão prometidas e jamais efetivadas: agrária, tributária, política, judiciária. E que a previdenciária e a trabalhista não sejam um engodo para penalizar ainda mais os trabalhadores e aposentados e beneficiar grandes empresas.

Voto em quem se dispõe a revolucionar a saúde e a educação. É uma vergonha o sucateamento do SUS e do ensino público. De 190 milhões de brasileiros, apenas 30 milhões se agarram esperançosamente na boia de salvação dos planos privados de saúde. Os demais são tratados como cidadãos de segunda classe, abnegados penitentes de filas hospitalares, obrigados a adquirir remédios onerados por uma carga tributária de 39% em média.
Segundo o MEC, há 4,1 milhões de brasileiros, entre 4 e 17 anos, fora da escola. Portanto, virtualmente dentro do crime. Nossos professores são mal remunerados, a inclusão digital dos alunos é um penoso caminho a ser percorrido, o turno curricular de 4 horas diárias é o verniz que encobre a nação de semianalfabetos.

Voto no candidato disposto ao controle rigoroso de emissão de gás carbônico das indústrias, dos pastos e das áreas de preservação ambiental, como a Amazônia. Não se pode permitir que o agronegócio derrube a floresta, contamine os rios e utilize mão de obra desprotegida da legislação trabalhista ou em regime de escravidão.

Voto em quem se comprometer a superar o caráter compensatório do Bolsa-Família e resgatar o emancipatório do Fome Zero, abrindo a porta de saída para as famílias que sobrevivem à custa do governo, de modo que possam gerar a própria renda.

Voto no candidato disposto a mudar a atual política econômica que, em 2008, canalizou R$ 282 bilhões para amortizar dívidas interna e externa e apenas R$ 44,5 bilhões para a saúde. Em termos percentuais, foram 30% do orçamento destinados ao mercado financeiro e apenas 5% para a saúde, 3% à educação, 12% a toda a área social.

Voto no candidato contrário à autonomia do Banco Central, pois a economia não é uma instância divorciada da política e do social. Voto pela redução dos juros, a desoneração da cesta básica e dos medicamentos, o aumento real do salário mínimo, a redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas.

Voto na legalização e preservação das áreas indígenas, de quilombolas e ribeirinhos, no diálogo permanente com os movimentos sociais e repudio qualquer tentativa de criminalizá-los, nas iniciativas de economia solidária e comércio justo, na definição constitucional do limite máximo de propriedade rural.

Voto no candidato convicto de que urge reduzir as tarifas de energia destinada ao consumo familiar e de uso de telefonia móvel. Disposto a valorizar fontes alternativas de energia, como a solar, a eólica, a dos mares e lixões etc. E que seja contrário à construção de termoelétricas e hidrelétricas nocivas ao meio ambiente.

Voto no candidato que priorize o transporte coletivo de qualidade, com preços acessíveis subsidiados; exija a identificação visível dos alimentos transgênicos oferecidos ao consumidor; impeça a participação e uso de crianças em peças publicitárias; e condene veementemente o trabalho infantil.

Voto no candidato decidido a instalar a Comissão da Verdade, de modo a abrir os arquivos das Forças Armadas concernentes ao período ditatorial e apurar os crimes cometidos em nome do Estado, bem como o paradeiro dos desaparecidos.

Voto em quem dê continuidade à atual política externa, de fortalecimento da soberania e independência do Brasil, diversificação de suas relações comerciais, apoio a todas as formas de integração latino-americana e caribenha sem a presença dos EUA; direito de o nosso país ter assento no Conselho de Segurança da ONU; de repúdio ao criminoso bloqueio dos EUA a Cuba e à instalação de bases militares estadunidenses na América Latina.

Voto, sobretudo, em quem apresentar um programa convincente de redução significativa da maior chaga do Brasil: a desigualdade social. Este o meu voto.
Resta achar o candidato.
Frei Betto

sábado, 24 de abril de 2010

Este blogue apóia a ação do MSM

O Movimento dos Sem Mídia (MSM), presidido pelo blogueiro Eduardo Guimarães, entrou com uma representação na Procuradoria Geral Eleitoral para que se abra uma auditoria dos quatro maiores institutos de pesquisa que publicaram recentemente resultados de pesquisas sobre a sucessão presidencial. Eles têm apresentado diferenças consideráveis, e a proposta é que a auditoria sirva para investigar possíveis fraudes na realização e divulgação desses resultados.

Os quatro grandes grupos em questão são o Datafolha, o Ibope, o CNT/Sensus e o Vox Populi. O início das suspeitas de fraude começou com a publicação de duas pesquisas: uma do Datafolha, no dia 27 de março, que apontava Serra na frente com uma diferença de 10% de Dilma, e do Vox Populi, publicado sete dias depois, que apontava um resultado bem diferente: de 3 a 5% de distância entre os dois principais candidatos à presidência.
Após a publicação da pesquisa do Vox Populi, o grupo Folha, por meio do jornal, publicou uma série de matérias questionando o resultado da pesquisa.
No dia 13 de abril, a briga entre os institutos se acirrou com a publicação das intenções de voto levantadas pelo Instituto CNT/Sensus, que apontou que a diferença entre os candidatos petista e tucano estava então entre 0,4 e 2,88 pontos percentuais.
Todas essas informações foram enviadas pelo blogueiro Eduardo Guimarães junto com a representação de pedido de auditoria das últimas pesquisas eleitorais. Pela lei, a divulgação de pesquisas fraudulentas é crime com direito a detenção e pegamento de multa de até R$ 106.410,00.
A ação pede que a Justiça monitore e eventualmente audite todas as próximas pesquisas divulgadas até antes das eleições.
Quem quiser apoiar essa iniciativa, pode entrar no blog Cidadania e deixar sua mensagem de apoio. A lista de apoiadores será enviada à Justiça Eleitoral junto à representação.
Este blogue considera que Eduardo Guimarães e o MSM estão fazendo um grande serviço para o processo democrático. Fiscalizar a ação dos institutos é fundamental para que a opinião pública não seja influenciada por supostas ondas repentinas. Independente do surfista que leva vantagem.

http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Campanha pela Memória e pela Verdade - OAB/RJ - José M

A Idade Mendes


 Este belo artigo foi escrito por Leandro Fortes.

No fim das contas, a função primordial do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal foi a de produzir noticiário e manchetes para a falange conservadora que tomou conta de grande parte dos veículos de comunicação do Brasil. De forma premeditada e com muita astúcia, Mendes conseguiu fazer com que a velha mídia nacional gravitasse em torno dele, apenas com a promessa de intervir, como de fato interveio, nas ações de governo que ameaçavam a rotina, o conforto e as atividades empresariais da nossa elite colonial. Nesse aspecto, os dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas, flagrado no mesmo crime que manteve o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda no cárcere por 60 dias, foram nada mais que um cartão de visitas. Mais relevante do que tudo foi a capacidade de Gilmar Mendes fixar na pauta e nos editoriais da velha mídia a tese quase infantil da existência de um Estado policialesco levado a cabo pela Polícia Federal e, com isso, justificar, dali para frente, a mais temerária das gestões da Suprema Corte do País desde sua criação, há mais cem anos.

Num prazo de pouco menos de dois anos, Mendes politizou as ações do Judiciário pelo viés da extrema direita, coisa que não se viu nem durante a ditadura militar (1964-1985), época em que a Justiça andava de joelhos, mas dela não se exigia protagonismo algum. Assim, alinhou-se o ministro tanto aos interesses dos latifundiários, aos quais defende sem pudor algum, como aos dos torturadores do regime dos generais, ao se posicionar publicamente contra a revisão da Lei da Anistia, de cuja à apreciação no STF ele se esquivou, herança deixada a céu aberto para o novo presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso. Para Mendes, tal revisão poderá levar o País a uma convulsão social. É uma tese tão sólida como o conto da escuta telefônica, fábula jornalística que teve o presidente do STF como personagem principal a dialogar canduras com o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
A farsa do grampo, publicada pela revista Veja e repercutida, em série, por veículos co-irmãos, serviu para derrubar o delegado Paulo Lacerda do comando da PF, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se valeu de uma mentira para tal. E essa, não se enganem, foi a verdadeira missão a ser cumprida. Na aposentadoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá tempo para refletir e registrar essa história amarga em suas memórias: o dia em que, chamado “às falas” por Gilmar Mendes, não só se submeteu como aceitou mandar para o degredo, em Portugal, o melhor e mais importante diretor geral que a Polícia Federal brasileira já teve. O fez para fugir de um enfrentamento necessário e, por isso mesmo, aceitou ser derrotado. Aliás, creio, a única verdadeira derrota do governo Lula foi exatamente a de abrir mão da política de combate permanente à corrupção desencadeada por Lacerda na PF para satisfazer os interesses de grupos vinculados às vontades de Gilmar Mendes.
O presidente do STF deu centenas de entrevistas sobre os mais diversos assuntos, sobretudo aqueles sobre os quais não poderia, como juiz, jamais se pronunciar fora dos autos. Essa é, inclusive, a mais grave distorção do sistema de escolha dos nomes ao STF, a de colocar não-juízes, como Mendes, na Suprema Corte, para julgar as grandes questões constitucionais da nação. Alheio ao cargo que ocupava (ou ciente até demais), o ministro versou sobre tudo e sobre todos. Deu força e fé pública a teses as mais conservadoras. Foi um arauto dos fazendeiros, dos banqueiros, da guarda pretoriana da ditadura militar e da velha mídia. Em troca, colheu farto material favorável a ele no noticiário, um relicário de elogios e textos laudatórios sobre sua luta contra o Estado policial, os juízes de primeira instância, o Ministério Público e os movimentos sociais, entre outros moinhos de vento vendidos nos jornais como inimigos da democracia.
Na imprensa nacional, apenas CartaCapital, por meio de duas reportagens (“O empresário Gilmar” e “Nos rincões de Mendes”), teve coragem de se contrapor ao culto à personalidade de Mendes instalado nas redações brasileiras como regra de jornalismo. Por essa razão, somos, eu e a revista, processados pelo ministro. Acusa-nos, o magistrado, de má fé ao divulgar os dados contábeis do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma academia de cursinhos jurídicos da qual Mendes é sócio. Trata-se de instituição construída com dinheiro do Banco do Brasil, sobre terreno público praticamente doado pelo ex-governador do DF Joaquim Roriz e mantido às custas de contratos milionários fechados, sem licitação, com órgãos da União.
Assim, a figura de Gilmar Mendes, além de tudo, está inserida eternamente em um dos piores momentos do jornalismo brasileiro. E não apenas por ter sido o algoz do fim da obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão, mas, antes de tudo, por ter dado enorme visibilidade a maus jornalistas e, pior ainda, fazer deles, em algum momento, um exemplo servil de comportamento a ser seguido como condição primordial de crescimento na carreira. Foi dessa simbiose fatal que nasceu não apenas a farsa do grampo, mas toda a estrutura de comunicação e de relação com a imprensa do STF, no sombrio período da Idade Mendes.
Emblemática sobre essa relação foi uma nota do informe digital “Jornalistas & Companhia”, de abril de 2009, sobre o aniversário do publicitário Renato Parente, assessor de imprensa de Gilmar Mendes no STF (os grifos são originais):
“A festa de aniversário de 45 anos de Renato Parente, chefe do Serviço de Imprensa do STF (e que teve um papel importante na construção da TV Justiça, apontada como paradigma na área da tevê pública), realizada na tarde do último domingo (19/4), em Brasília, mostrou a importância que o Judiciário tem hoje no cenário nacional. Estiveram presentes, entre outros, a diretora da Globo, Sílvia Faria, a colunista Mônica Bergamo, e o próprio presidente do STF, Gilmar Mendes, entre outros.”
Olha, quando festa de aniversário de assessor de imprensa serve para mostrar a importância do Poder Judiciário, é sinal de que há algo muito errado com a instituição. Essa relação de Renato Parente com celebridades da mídia é, em todos os sentidos, o pior sintoma da doença incestuosa que obriga jornalistas de boa e má reputação a se misturarem, em Brasília, em cerimônias de beija-mão de caráter duvidoso. Foi, como se sabe, um convescote de sintonia editorial. Renato Parente é o chefe da assessoria que, em março de 2009, em nome de Gilmar Mendes, chamou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), às falas, para que um debate da TV Câmara fosse retirado do ar e da internet. Motivo: eu critiquei o posicionamento do presidente do STF sobre a Operação Satiagraha e fiz justiça ao trabalho do delegado federal Protógenes Queiroz, além de citar a coragem do juiz Fausto De Sanctis ao mandar prender, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas.
Certamente em consonância com o “paradigma na área de tevê pública” da TV Justiça tocada por Renato Parente, a censura na Câmara foi feita com a conivência de um jornalista, Beto Seabra, diretor da TV Câmara, que ainda foi mais além: anunciou que as pautas do programa “Comitê de Imprensa”, a partir dali, seriam monitoradas. Um vexame total. Denunciei em carta aberta aos jornalistas e em todas as instâncias corporativas (sindicatos, Fenaj e ABI) o ato de censura e, com a ajuda de diversos blogs, consegui expor aquela infâmia, até que, cobrada publicamente, a TV Câmara foi obrigada a capitular e recolocar o programa no ar, ao menos na internet. Foi uma das grandes vitórias da blogosfera, até então, haja vista nem um único jornal, rádio ou emissora de tevê, mesmo diante de um gravíssimo caso de censura e restrição de liberdade de expressão e imprensa, ter tido coragem de tratar do assunto. No particular, no entanto, recebi centenas de e-mails e telefonemas de solidariedade de jornalistas de todo o país.
Não deixa de ser irônico que, às vésperas de deixar a presidência do STF, Gilmar Mendes tenha sido obrigado, na certa, inadvertidamente, a se submeter ao constrangimento de ver sua gestão resumida ao caso Daniel Dantas, durante entrevista no youtube. Como foi administrada pelo Google, e não pelo paradigma da TV Justiça, a sabatina acabou por destruir o resto de estratégia ainda imaginada por Mendes para tentar passar à história como o salvador da pátria ameaçada pelo Estado policial da PF. Ninguém sequer tocou nesse assunto, diga-se de passagem. As pessoas só queriam saber dos HCs a Daniel Dantas, do descrédito do Judiciário e da atuação dele e da família na política de Diamantino, terra natal dos Mendes, em Mato Grosso. Como último recurso, a assessoria do ministro ainda tentou tirar o vídeo de circulação, ao menos no site do STF, dentro do sofisticado e democrático paradigma de tevê pública bolado por Renato Parente.
Como derradeiro esforço, nos últimos dias de reinado, Mendes dedicou-se a dar entrevistas para tentar, ainda como estratégia, vincular o próprio nome aos bons resultados obtidos por ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embora o mérito sequer tenha sido dele, mas de um juiz de carreira, Gilson Dipp. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor do órgão, Dipp foi nomeado para o cargo pelo presidente Lula, longe da vontade de Gilmar Mendes. Graças ao ministro do STJ, foi feita a maior e mais importante devassa nos tribunais de Justiça do Brasil, até então antros estaduais intocáveis comandados, em muitos casos, por verdadeiras quadrilhas de toga.
É de Gilson Dipp, portanto, e não de Gilmar Mendes, o verdadeiro registro moralizador do Judiciário desse período, a Idade Mendes, de resto, de triste memória nacional.

Mas que, felizmente, se incerrou.

http://brasiliaeuvi.wordpress.com/2010/04/23/a-idade-mendes/

sábado, 17 de abril de 2010

Shecaira e os presídios capixabas

 Está é uma entrevista do professor Sérgio Salomão Shecaira concedida ao IBCCRIM: que aqui reproduzo.
Infelizmente, essa é a realidade do Estado do Espiríto Santo.

IBCCRIM - Prezado Professor, por gentileza, teça considerações sobre sua experiência à frente do CNPCP e a situação prisional no Estado do Espírito Santo.

SSS - Eu era presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que tem competência determinada pela Lei de Execução Penal para fiscalizar todos os presídios do País. E eu recebi uma solicitação, aqui em São Paulo, de uma organização não governamental que queria trazer uma acusação muito séria sobre questões do Espírito Santo. Recebi uma visita, no meu escritório, de uma comissão de militantes de Direitos Humanos que me diziam que existia uma situação extremamente grave naquele Estado.
Tendo em vista a gravidade daquilo que se afirmava, eu imediatamente solicitei que eles fossem à Brasília, e fizessem uma petição escrita ao CNPCP. Assim, colocaríamos na pauta da primeira reunião prevista. Foram à Brasília um rapaz chamado Bruno Sousa, então presidente da Comissão de Direitos Humanos do Estado do Espírito Santo, e a Dona Maria, mãe de um preso assassinado, que criou uma associação de mães de filhos que sofreram algum tipo de violência policial. Em Brasília, eu recebi uma denúncia de coisas absolutamente escabrosas, como a ausência do Estado em determinados presídios, o que motivava a ocorrência de inúmeros esquartejamentos de presos.
Em função disso, e dada à gravidade dos fatos, em vez de eu indicar uma pessoa, eu intui que aquilo era uma coisa ainda mais grave do que nós estávamos acostumados a lidar em outros Estados. E perceba: estamos acostumados a lidar com mazelas humanas em Estados que simplesmente esquecem presos, que cometem erros judiciários, etc. E eu mesmo me desloquei para o Estado do Espírito Santo, e me deparei com uma situação completamente inusitada, que é o Secretário de Justiça do Estado do Espírito Santo impedindo que uma autoridade federal, o Presidente do CNPCP, de visitar os presídios. Depois, quando admitiu a visita, impediu essa pessoa (que era eu), de fotografar o presídio, sendo que afirmava ser uma questão de segurança. E eu, então, perguntava: “segurança para quem?”, pois, afinal de contas, tirar uma fotografia do presídio não fere a segurança de ninguém. E então, eu fui verificando que ele estava ocultando alguma coisa. Visitei dois presídios: o de Cascuvi, na cidade de Viana, na Grande Vitória, onde há um complexo penitenciário; e uma área em que existe uma casa de custódia, que corresponderia à nossa antiga casa de detenção.
Na penitenciária de Cascuvi, eu percebi que se tratava de uma casa com capacidade para 300 presos, sendo que havia 1200, e tinha uma característica muito particular. Ela havia sido destruída em rebeliões anteriores e continuava superlotada. Como as portas das celas haviam sido destruídas, as pessoas circulavam livremente pelas dependências do presídio, e isso só era contido pelo perímetro externo, de tal sorte que os presos ficavam todo o tempo destrancados. Por outro lado, como eles ficaram com o domínio do presídio, nenhum guarda de presídio entrava no perímetro interno, o que motivava dentro da dinâmica do regramento interno dos presos uma série de assassinatos.
Como a administração não entrava no presídio, quando a comida chegava, eles colocavam as “quentinhas” dentro de grandes latões e os próprios presos faziam a distribuição dos alimentos. Após as refeições, as “quentinhas” vinham amassadas e nos latões também havia o lixo com os restos de comida. E em meio ao resto de comida destes vários latões, não nos esqueçamos que eram 1200 presos, eles matavam alguns presos e colocavam partes anatômicas dos corpos junto com estes restos, de tal sorte que eles esquartejavam os mortos e objetivavam se livrar dos restos do cadáver.
O que acontecia era que a família, que não sabia o que tinha acontecido, ia visitar seu parente no final de semana, ou dentro de quinze dias, e acabava não encontrando o filho lá. E a administração falava que o preso havia se evadido, não sabendo dizer como. E isso aconteceu algumas vezes, de tal sorte que o descontrole era absoluto. E fazia algum tempo que não existia luz elétrica. Imagine 1200 pessoas no escuro! E eles só eram iluminados a partir da muralha por holofotes, tal qual um campo de concentração nazista. Também não existia água por todo o dia. Ela somente era distribuída no final do dia, porque como eles destruíram alguns canos, toda a vez que se ligava a água, ela se perdia em meio aos buracos nos canos. Então, era um presídio sem luz e sem água, e sem administração. Eu acho que as masmorras medievais funcionavam melhor, por incrível que pareça.
Então nós fomos, em comitiva, conhecer um presídio dentro de um contêiner. Essa foi uma idéia do Governo Paulo Hartung (PSDB) de pegar contêineres com pequenas janelinhas e colocar vários presos lá dentro. Então, tinham em um contêiner, que é um local para colocar mercadorias, de 50 a 60 presos lá dentro. Era uma coisa absolutamente desumana. Quando os presos tinham que fazer suas necessidades fisiológicas, justamente por não terem banheiros, eles faziam nas próprias “quentinhas” vindas com comida, e voltavam com fezes, ou em garrafas “pet”, ou até mesmo através das janelas, quando urinavam para fora do contêiner. Era algo completamente chocante, com um monte de lama, fezes, ratos ao lado dos contêineres, uma sujeira. E eram contêineres empilhados, como se fossem o térreo e o primeiro andar. Era um cheiro completamente insuportável.
Havia pessoas com tuberculoso, escabiose (a conhecida “sarna”), que era uma coisa que eu pensei que não mais pudesse ver, pois quando vemos em um cachorro já ficamos com pena do animal, e imagina um ser humano com o corpo totalmente tomado! Tudo isso foi fotografado. Eu poderia me alongar falando de violências menores do sistema, mas creio que o sistema como um todo é uma violência.
Eu cheguei a ver uma modalidade de contêiner ainda mais perversa, a que chamavam ironicamente de “forno microondas”, uma vez que era um contêiner sem nenhuma janela, de tal forma que não havia ventilação, e o ar não circulava. Tudo isto sob a administração do Governador Paulo Hartung (PSDB) e do Secretário de Estado da Justiça, Ângelo Roncalli de Ramos Barros. Tivemos uma reunião com o Dr. Ângelo Roncalli, e ele disse que não poderia fazer nada. Nós montamos uma comissão intergovernamental, até seria uma coisa interessante para ele a fim de dividir a sua responsabilidade com o Governo Federal, Ministério Público, Magistratura... E eles sempre diziam que receberam uma herança maldita do governo anterior, e com a construção de uma penitenciária determinada isso seria resolvido. Só que essa penitenciária determinada não estava sequer licitada, nem mesmo uma maquete existia. Então eu disse que alguma coisa precisava ser feita, como por exemplo, a realocação de presos para outras penitenciárias. Da própria muralha da Cascuvi, pode-se ver duas outras penitenciárias moderníssimas com capacidade para 270 presos, administradas pela iniciativa privada. Porém, segundo o Secretário, não se podia retirar presos de outras penitenciárias para colocar nessa outra, porque dado o fato de ser uma penitenciária privada, existia um contrato, e a empresa privada o denunciaria caso isso acontecesse. Enfim, o Governo do Estado do Espírito Santo criou um preso de primeira e um preso de segunda categoria, em função da privatização do sistema. Isso era uma coisa complicada. E ele dizia não utilizar uma penitenciária que ele teve muitas despesas para construir, e colocar mais presos do que o planejado para não correr o risco de, no caso de superlotação, uma eventual rebelião acabar destruindo as instalações dessa nova penitenciária. Então ele deixava gente morrendo em condições absolutamente abjetas, enquanto existiam outras penitenciárias ao menos razoáveis, ou modernas. E ele se negava, era absolutamente refratário, a qualquer tipo de conversações.
Nós estabelecemos um prazo para um retorno e, como não houve retorno, eu levei o fato ao CNPCP, e por unanimidade o Conselho votou uma série de medidas. Dentre essas medidas eu propunha:
Ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público para processar o Promotor de Justiça pela inércia, porque se negava a pedir interdição daquelas penitenciárias, em especial a de Cascuvi.
Ofício ao Conselho Nacional de Justiça para processar o Juiz, que também não tomava nenhuma medida.
Ofício ao Procurador Geral de Justiça para promover uma ação penal contra o Secretário de Justiça por tortura na modalidade omissiva.
Ofício aos Tribunais de Contas do Estado e da União, porque as medidas de construção dos presídios, segundo obtive informações, estavam sendo feitas sem quaisquer licitações.
Comunicação ao Ministro da Justiça e ao Conselho de Proteção aos Direitos da Pessoa Humana para noticiar o fato.
Ofício ao Procurador Geral da República para que propusesse uma ação de intervenção federal no Estado do Espírito Santo, e essa intervenção federal seria feita em função da não proteção dos agentes estatais, por parte das pessoas que estavam dentro de cárceres.
Depois, nós ficamos sabendo que também havia adolescentes presos em contêineres. Era a ponta de um iceberg que nós não imaginávamos ser tão grande. Ficamos, inclusive, sabendo da existência de camburões que abrigavam presos por tempo indeterminado. Apenas estacionavam o camburão no pátio, e deixavam os presos lá dentro. Eram coisas em condições completamente abjetas e subumanas.
O fato é que, com todos esses episódios, nós tomamos uma séria de medidas, e a principal delas foi o pedido de intervenção federal. E este pedido continua no gabinete do Procurador Geral da República. Houve um parecer da subprocuradora geral de Direitos Humanos favorável ao pedido de intervenção federal. Suponho que tenha sido esquecido, pois depois de um ano não tivemos nenhuma resposta. E cabe ao Procurador Geral da República fazer a análise de conveniência e oportunidade da intervenção federal.

Imprensa

Alguns contatos foram feitos, como audiências públicas para justificar o nosso pedido de intervenção com os representantes das igrejas evangélicas, igreja católica, representantes da sociedade civil, sindicato, entre outros. Essas audiências públicas ocorreram na sede da OAB- Seccional de Vitória. Em um primeiro momento, a imprensa noticiou amplamente nossas atividades, mas esta, em seguida, se calou completamente, por alguma razão. Baixou uma “lei do silêncio” no Estado do Espírito Santo.
Paralelamente, com a aproximação do final do meu mandato, e a não tomada de providencias por parte do Ministro da Justiça, o qual, aliás, tem um poder muito grande: o poder da caneta. Basta ele sustar o repasse de verbas para a construção dos presídios que o Governo do Estado imediatamente vai negociar, o que não foi feito.
O fato é que, com a conclusão do meu mandato eu solicitei em uma carta a não renovação do meu mandato. E, evidentemente, enquanto cidadão, eu me veria livre para articular outras medidas, dada a inoperância das instituições internas do País que não tomavam medidas enfáticas. Ressalva seja feita ao CNJ, que convocou uma comissão de magistrados, e confirmou tudo aquilo que nós alegávamos, chegando a fazer até um mutirão, que colocou na rua, ou por excesso de pena, ou por erros judiciários, cerca de 5% da população carcerária daquele Estado.
Dito isto, eu estive em reuniões com organizações não governamentais, entre elas a Justiça Global, que levou o fato à Corte Interamericana de Direitos Humanos, e eu não sei o andamento disso. E eu estive com a Conectas, que é uma entidade cuja sede é em São Paulo, para que a ela pudesse, na medida do possível, ajudar-nos nessa luta. A Conectas não só oficiou o Procurador Geral da República para perguntar o andamento do pedido de intervenção federal, como promoveu um pedido junto à Organização das Nações Unidas, alegando que o Brasil não cumpria os Direitos Humanos dentro do cárcere do Espírito Santo. E este fato veio à baila quando o Brasil foi chamado em Genebra para prestar explicações se o que foi noticiado pela Conectas era verídico ou não. Pondere-se que essa ONG juntou farta documentação e, principalmente, fotos que nós tiramos na nossa visita.

Repercussão Internacional

Uma vez que este fato teve repercussão internacional, as autoridades começaram a se mobilizar. Um dos presos, que estava recolhido em um contêiner, impetrou uma ordem de habeas corpus, a qual foi distribuída ao Ministro Nilson Naves, e ele proferiu, no último dia de exercício da sua judicatura antes de sua aposentadoria, um voto memorável que é um voto de indignação. [A reportagem sobre o memorável voto do Ministro Nilson Naves e seu inteiro teor já foram publicadas pelo PORTAL IBCCRIM. E por este blogger.

Novamente, foi o Judiciário quem fez alguma coisa, ainda que o Superior Tribunal de Justiça, pois é bom que se diga que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo não tomou qualquer medida. Tanto é verdade, que eu tive que oficiar ao CNJ narrando a inoperância daquele juízo de execução, porque era absolutamente necessário que alguma medida fosse tomada. O Governo do Estado do Espírito Santo afirma que continua a construir presídios, mas o aumento da demanda prisional, bem como o aumento da punitividade, faz com que eles continuem abarrotados e em péssimas condições, como é de conhecimento público, e foi noticiado por inúmeros meios de comunicação.

IBCCRIM - O Sr. considera que a situação carcerária do Brasil é melhor do que outros países latino-americanos?

SSS- Acho que não. Eu estive em um congresso, há pouco mais de 1 ano, em São José da Costa Rica, e percebemos que o sistema penitenciário do Brasil é um dos piores. É um dos que mais experimenta superlotação. O problema penitenciário no Brasil é um problema gravíssimo, e isso decorre não apenas da incúria do Estado em relação a essas condições, mas também à mentalidade de tudo ser levado ao Judiciário e tudo acabar, em última análise, a uma pena privativa de liberdade. Acredito que devemos voltar a repensar o sistema como todo, tendo por base no resultado que produzimos atualmente. Não é admissível pensar que ainda nos deparamos com masmorras medievais, penitenciárias que mais parecem locais de tortura ou campos de concentração, pois isso está produzindo uma situação completamente desconfortável, em termos internacionais, para o próprio País.

IBCCRIM - Recentemente foram criados os presídios federais. O senhor acha que os presídios federais podem implicar redução na superlotação carcerária?

SSS- Na realidade, os presídios federais não possuem nenhuma finalidade no desafogamento de cárceres. Eles são mecanismos reguladores para retirar determinadas lideranças internas nos presídios, para que não fomentem rebeliões e reivindicações contra os governos dos Estados. Possuem vazão de poucas centenas de presos, e constituem-se como presídios de segurança máxima com isolamento entre os presos. Portanto, é um sistema que nada tem a ver com o encarceramento em massa que vemos nos Estados. E não possuem, tampouco, um condão modificador da situação experimentada nos presídios do Brasil.
O que cabe, para finalizarmos, é repensarmos a punição. Vejamos que de 1994 até 2007 a população brasileira cresceu cerca de 21%. E por que a população carcerária cresceu 320%? Nós não tivemos um aumento da criminalidade dessa ordem, o que ocorreu foi um aumento da perspectiva punitiva.

http://ccccquatro.blogspot.com/

"Onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados do pobres para defendê-los?"

Roprudução do voto, Palma Bisson, relator sorteado.
Excerto do acórdão nº 1001412, da 36ª Câmara Cível do TJ-SP


Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro – ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia.
Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar.
Fez caber a mim, com efeito - filho de marceneiro como você - a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai – por Deus ainda vivente e trabalhador – legada, olha-me agora.
É uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas pela repetido.
É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro – que nem existe mais – num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esse dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São os marceneiros nesta terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era.
Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante.
E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer.
Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome como saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular.
O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico.
Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d´água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados do pobres para defendê-los?
Quiçá no livro grosso dos preconceitos ...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro voto".

Palma Bisson, relator sorteado.

Um dos pucos juíz que já chegou ao século XXI, a maioria está na idade média ainda, infelizmente.

terça-feira, 6 de abril de 2010

A reprise de 2006. Agora, como farsa

Reproduz o artigo do jornalista
Luiz Carlos Azenha.


Em 2005 e 2006 eu era repórter especial da TV Globo. Tinha salário de executivo de multinacional. Trabalhei na cobertura da crise política envolvendo o governo Lula.
Fui a Goiânia, onde investiguei com uma equipe da emissora o caixa dois do PT no pleito local. Obtivemos as provas necessárias e as reportagens foram ao ar no Jornal Nacional. O assunto morreu mais tarde, quando atingiu o Congresso e descobriu-se que as mesmas fontes financiadoras do PT goiano também tinham irrigado os cofres de outros partidos. Ou seja, a “crise” tornou-se inconveniente.
Mais tarde, já em 2006, houve um pequena revolta de profissionais da Globo paulista contra a cobertura política que atacava o PT mas poupava o PSDB. Mais tarde, alguns dos colegas sairam da emissora, outros ficaram. Na época, como resultado de um encontro interno ficou decidido que deixaríamos de fazer uma cobertura seletiva das capas das revistas semanais.
Funciona assim: a Globo escolhe algumas capas para repercutir, mas esconde outras. Curiosamente e coincidentemente, as capas repercutidas trazem ataques ao governo e ao PT. As capas “esquecidas” podem causar embaraço ao PSDB ou ao DEM. Aquela capa da Caros Amigos sobre o filho que Fernando Henrique Cardoso exilou na Europa, por exemplo, jamais atenderia aos critérios de Ali Kamel, que exerce sobre os profissionais da emissora a mesma vigilância que o cardeal Ratzinger dedicava aos “insubordinados”.
Aquela capa da Caros Amigos, como vimos estava factualmente correta. O filho de FHC só foi “assumido” quando ele estava longe do poder. Já a capa da Veja sobre os dólares de Fidel Castro para a campanha de Lula mereceu cobertura no Jornal Nacional de sábado, ainda que a denúncia nunca tenha sido comprovada.
Como eu dizia, aos sábados, o Jornal Nacional repercute acriticamente as capas da Veja que trazem denúncias contra o governo Lula e aliados. É o que se chama no meio de “dar pernas” a um assunto, garantir que ele continue repercutindo nos dias seguintes.
Pois bem, no episódio que já narrei aqui no blog, eu fui encarregado de fazer uma reportagem sobre as ambulâncias superfaturadas compradas pelo governo quando José Serra era ministro da Saúde no governo FHC. Havia, em todo o texto, um número embaraçoso para Serra, que concorria ao governo paulista: a maioria das ambulâncias superfaturadas foi comprada quando ele era ministro.
Ainda assim, os chefes da Globo paulista garantiram que a reportagem iria ao ar. Sábado, nada. Segunda, nada. Aparentemente, alguém no Rio decidiu engavetar o assunto. E é essa a base do que tenho denunciado continuamente neste blog: alguns escândalos valem mais que outros, algumas denúncias valem mais que outras, os recursos humanos e técnicos da emissora — vastos, aliás — acabam mobilizados em defesa de certos interesses e para atacar outros.
Nesta campanha eleitoral já tem sido assim: a seletividade nas capas repercutidas foi retomada recentemente, quando a revista Veja fez denúncias contra o tesoureiro do PT. Um colega, ex-Globo, me encontrou e disse: “A fórmula é a mesma. Parece reprise”.
Ou seja, podemos esperar mais do mesmo:
– Sob o argumento de que a emissora está concedendo “tempo igual aos candidatos”, se esconde uma armadilha, no conteúdo do que é dito ou no assunto que é escolhido. Frequentemente, em 2006, era assim: repercutindo um assunto determinado pela chefia, a Globo ouvia três candidatos atacando o governo (Geraldo Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque) e Lula ou um assessor defendendo. Ou seja, era um minuto e meio de ataques e 50 segundos de contraditório.
– O Bom Dia Brasil é reservado a tentar definir a agenda do dia, com ampla liberdade aos comentaristas para trazer à tona assuntos que em tese favorecem um candidato em detrimento de outro.
– O Jornal da Globo se volta para alimentar a tropa, recorrendo a um grupo de “especialistas” cuja origem torna os comentários previsíveis.
– Mensagens políticas invadem os programas de entretenimento, como quando Alexandre Garcia foi para o sofá de Ana Maria Braga ou convidados aos quais a emissora paga favores acabam “entrevistados” no programa do Jô.
A diferença é que, graças a ex-profissionais da Globo como Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e outros, hoje milhares de telespectadores e internautas se tornaram fiscais dos métodos que Ali Kamel implantou no jornalismo da emissora. Ele acha que consegue enganar alguém ao distorcer, deturpar e omitir.
É mais do mesmo, com um gostinho de repeteco no ar. A história se repete, agora com gostinho de farsa.
Querem tirar a prova? Busquem no site do Jornal Nacional daquele período quantas capas da Veja ou da Época foram repercutidas no sábado. Copiem as capas das revistas que foram repercutidas. Confiram o conteúdo das capas e das denúncias. Depois, me digam o que vocês encontraram.


http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/a-reprise-de-2006-agora-como-farsa.html

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A antiga imprensa, enfim, assume partido

Reproduzo artigo de Jorge Furtado, publicado em seu blog:




Quem estava prestando atenção já percebeu faz tempo: a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).



A boa novidade é que finalmente eles admitiram ser o que são, através das palavras sinceras de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, em declaração ao jornal O Globo:



“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.”



A presidente da Associação Nacional dos Jornais constata, como ela mesma assinala, o óbvio: seus associados “estão fazendo de fato a posição oposicionista (sic) deste país”. Por que agem assim? Porque “a oposição está profundamente fragilizada”.



A presidente da associação/partido não esclarece porque a oposição “deste país” estaria “profundamente fragilizada”, apesar de ter, como ela mesma reconhece, o irrestrito apoio dos seus associados (os jornais).



A presidente da associação/partido não questiona a moralidade de seus filiados assumirem a “posição oposicionista deste país” enquanto, aos seus leitores, alegam praticar jornalismo. Também não questiona o fato de serem a oposição ao governo “deste país” mas não aos governos do seu estado (São Paulo).



Propriedades privadas, gozando de muitas isenções de impostos para que possam melhor prestar um serviço público fundamental, o de informar a sociedade com a liberdade e o equilíbrio que o bom jornalismo exige, os jornais proclamam-se um partido, isto é, uma “organização social que se fundamenta numa concepção política ou em interesses políticos e sociais comuns e que se propõe alcançar o poder”.



O partido da imprensa se propõe a alcançar o poder com o seu candidato, José Serra. Trata-se, na verdade, de uma retomada: Serra, FHC e seu partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos. Deixaram o governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos de aprovação popular. No governo do partido da imprensa, a criminosa desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento.



O partido da imprensa assumiu a “posição oposicionista” a um governo que hoje conta com enorme aprovação popular. A comparação de desempenho entre os governos do Partido dos Trabalhadores (Lula, Dilma) e do partido da imprensa (FHC, Serra) é extraordinariamente favorável ao primeiro: não há um único índice social ou econômico em que o governo Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra), a lista desta comparação chega a ser enfadonha.



Serra é, portanto, o candidato do partido da imprensa, que reúne os interesses da direita brasileira e faz oposição ao governo Lula. Dilma é a candidata da situação, da esquerda, representando vários partidos, defendendo a continuidade do governo Lula.



Agora que tudo ficou bem claro, você pode continuar (ou não) lendo seu jornal, sabendo que ele trabalha explicitamente a favor de uma candidatura e de um partido que, como todo partido, almeja o poder.



*****



Annita Dunn, diretora de Comunicações da Casa Branca, à rede de televisão CNN e aos repórteres do The New York Times:



“A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano" (...) "não precisamos fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo que a CNN. A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico. Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição”.

domingo, 4 de abril de 2010

ISTO NÃO ERA NOVIDADE, MAS LER UM DEPOIMENTO É REVOLTANTE!

BASTA!
É UM ABSURDO O QUE O PIG ESTA PROMOVENDO!
ME REVOLTEI AO LER ESTE COMENTÁRIO DESTE ENTREVISTADOR DO DATAFOLHA.
Jornalista Paulo Henrique Amorim

Sou entrevistador do Datafolha há algum tempo e desta vez percebi que a manipulação das entrevistas foi descarada, não podia deixar de denunciar. Participei do trabalho de entrevistas desta pesquisa divulgada hoje que coloca o José Serra na frente da Dilma com 9 pontos. Posso garantir que sempre são realizadas entrevistas em maior número nos bairros onde vivem as pessoas mais ricas, desta vez então foram realizadas entrevistas nestes bairros em maior número ainda e em fichas em branco no local onde é anotada a região onde a entrevista foi realizada. Eu e outros pesquisadores ja percebemos isto a muito tempo mas agora foi demais, isto deve estar acontecendo em outros locais do Brasil. Não podiamos deixar de denunciar, esta pesquisa foi manipulada, pode acreditar, a Dilma ja esta até na frente do Serra, pois, nos bairros mais pobres de São Paulo ela esta bem mais na frente, é que a coordenação da pesquisa mandou fazer mais pesquisas onde mora menos gente e as pessoas são mais ricas. Estamos denunciando isto porque é uma vergonha, a folha e a Globo querem fazer o povo brasileiro de tontos, chega.

Procurem nos comentários desse artigo e PHA.

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=29164