quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O que aprendi na polêmica do PNDH

Este artigo foi produzido pelo jornalista, Luiz Carlos Azenha. É um excelênte artigo. Boa leitura.

Definiu um leitor do Nassif que "a montanha pariu um rato". Seria uma boa imagem se, depois de tantos litros de tinta, tantas páginas de jornal, tantos minutos em emissoras de rádio e televisão dedicados à polêmica do Plano Nacional de Direitos Humanos não extraíssemos absolutamente nada.
Não foi o caso. Podemos dizer que a polêmica pariu uma tremenda discussão sobre Direitos Humanos e renovou o ímpeto daqueles que lutam para aprofundar a democracia brasileira e fazer valer direitos não apenas aos latifundiários da terra e do espaço eletromagnético. Um leitor do Viomundo -- a quem peço perdão antecipado por não ter anotado o nome -- apontou o nexo entre esses dois grupos por trás da polêmica.

Não é por acaso que, do lado de lá, sustentando a teoria doidivanas de que o PNDH representa algum tipo de "cobertura" a um "golpe autoritário" no Brasil, estavam os editorialistas da Folha, do Estadão, as páginas da revista Veja, o Ali Kamel, o Boris Casoy apud Ives Gandra Martins, a Confederação Nacional da Agricultura (da Kátia Abreu), a OAB paulista (a mesma do "Cansei"), setores conservadores da Igreja, o José Nêumanne, o Alexandre Garcia e uma infinidade de outros personagens menores.

O leitor Gustavo Paim Pamplona disse, em comentário, que o terremoto no Haiti -- e as trágicas mortes de Zilda Arns e dos militares brasileiros -- acabou abortando a primeira grande "crise" de 2010, que na verdade é mais uma de muitas. Quem é leitor do site acompanhou conosco o caos aéreo, a epidemia inexistente de febre amarela e a devastação da gripe suína, em que alguns ingredientes que vimos agora já estavam presentes: a desinformação acoplada a um discurso apocalíptico dos adversários do governo Lula.

Já dava para notar para onde caminharia a "crise", não fosse pelo infortúnio caribenho: iria bater às portas da Casa Civil e de Dilma Rousseff.

Há quem diga que foi tudo tramado por José Serra ou assessores dele: a crise perfeita. Presidente da República em férias, a musa da febre amarela vaza um relatório que ainda não tinha chegado ao Ministério da Defesa dando conta de que a FAB montou uma espécie de pódium aeronáutico com medalhinha de ouro para o jato sueco, medalhinha de prata para o jato americano e medalhinha de bronze para o jato francês, justamente o preferido do presidente da República.

Some-se a isso o descontentamento militar com detalhes do Plano Nacional dos Direitos Humanos, especificamente com o estabelecimento de uma comissão da verdade para apurar os crimes cometidos pela "repressão política" durante o regime militar. Eram esses os ingredientes do caldo cozido no fogo da mídia.

Resisto em acreditar em maquinações que requeiram a articulação de mais de meia dúzia de pessoas. Mas o "modo de operação" é razoavelmente conhecido: os jornais repercutem as notícias uns dos outros, que ganham perna nos telejornais e... vira uma bola de neve, especialmente atraente num ciclo de poucas notícias.

Vi isso ao vivo, nos tempos em que eu era repórter da TV Globo: sai na Veja, ganha pernas no Jornal Nacional de sábado, sai nos jornalões de domingo e segunda-feira tem "crise". Ou seja, é uma fórmula um tanto desgastada.

É importante considerar, nesse caso, que em um negócio bilionário como a compra de caças há sempre muito dinheiro de lobistas. Não é por acaso que tanto na Folha quanto no Estadão -- este em editorial -- se falou que a solução era "adiar" o negócio. A quem interessa "adiar"? A Washington, com certeza: os Estados Unidos não querem que o Brasil feche uma parceria estratégica com a França, injetando europeus militarmente no Hemisfério Sul, porque com isso perdem poder e dinheiro. Muito dinheiro.

É inegável que algum desconforto militar houve com o PNDH. Não no tom descrito pela musa da febre amarela, segundo o qual os militares temiam a "depredação" de instalações militares. Ela disse que os militares "imaginam que o resultado dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura e não admitem o constrangimento da retirada de nomes de altos oficiais de avenidas pelo país afora".

Era só o que faltava para o repertório de piadas brasileiras: sequestro relâmpago de tanque de guerra pelo MR8.

Que a jornalista tenha tido a coragem de escrever isso, mesmo atribuindo a uma fonte, no pé de uma reportagem sobre a crise -- uma das primeiras -- diz muito da qualidade da mídia brasileira, em que jornalistas são guiados, quando não cavalgados, pelas fontes.

Tem a má fé e tem a desinformação, o despreparo, a preguiça mental de repórteres e editores. Em tempos de internet, os PNDHs I, II e III estavam lá o tempo todo, para quem quisesse ler e entender. O próprio Viomundo foi um dos primeiros a falar disso, depois de ver no Paulo Henrique Amorim um vídeo com a votação em que a proposta para formar a Comissão da Verdade foi aprovada por 26 votos contra dois de representantes do Ministério da Defesa, na conferência nacional de Direitos Humanos de 2008, que rascunhou o PNDH III.

Foram dias até a mídia chegar -- graças à rádio CBN -- ao Paulo Sergio Pinheiro, organizador do PNDH II, que esclareceu o nexo entre a Conferência de Viena e o PNDH I, em 1996. O Brasil, junto com a Austrália, é que propôs o conceito dos planos nacionais. Há repórteres que até agora não entenderam o caráter meramente propositivo do plano, de definir diretrizes gerais. O fato de que o PNDH resulta de um decreto presidencial não o torna lei. Cada um daqueles pontos do plano, para se tornar lei, terá de fazer todo o trâmite legislativo no Congresso Nacional.

A falta desse entendimento ou a má fé -- é difícil dizer quando é preguiça e quando é malícia -- resultou em abordagens inacreditáveis, como a já famosa reportagem do Jornal da Band que junta tudo o que pode haver de pior no Jornalismo: deveria ser gravada e mostrada nas salas de aula pelos professores como exemplo de como não fazer.

Para uma aula nas sutilezas manipulativas do Ali Kamel, recomendo essa aqui. Também não é novidade. O Rodrigo Vianna foi o primeiro a denunciar isso e as provas, evidências e testemunhos só fazem crescer, como registra quase diariamente o Marco Aurélio Mello.

E tem também a grosseria pura e simples, em rede nacional de TV.
Esses três momentos da TV brasileira são a justificativa para a Conferência Nacional de Comunicação recém-realizada. Ajudam a explicar porque alguns empresários do setor evitaram a conferência: eles querem ter o direito eterno de usar um bem público do qual são concessionários para mentir, forjar, deturpar e distorcer informações, sem dar qualquer satisfação à sociedade.

Ao constatar isso, há quem queira reviver no Brasil de hoje os anos 60, trazendo de volta os antigos e mal resolvidos embates ideológicos. Há, aliás, um bom artigo do Rodrigo Vianna sobre o momento que vivemos.

Mas, francamente, acho contraproducente trazer de volta as memórias da rua Maria Antonia [quando os direitistas do Mackenzie enfrentavam os esquerdistas da Faculdade de Filosofia da USP], que pertencem a outro tempo. Há que se investigar o passado, punir os criminosos que cometeram seus crimes em nome e em defesa de um regime ilegítimo. Ponto.

De outra parte, se algumas centenas de brasileiros se engajarem na defesa dos princípios expressos no PNDH, a "crise militar" terá valido a pena. E a contribuição de todos vocês, que ajudaram a disseminar informação a respeito, foi e continua sendo valiosa. É um assunto muito importante para ficar nas mãos de poucos em Brasília.

Mais uma vez ficou provado que a mídia tem poder -- mas bem menos do que imagina. Eu diria até que cada vez menos aquele grupinho de editores do eixo Rio-Brasília-São Paulo pode manobrar a opinião pública. Das dezenas de reparos feitos ao PNDH, houve apenas uma "correção", acordada entre os ministros do governo Lula, muito embora há quem diga que a pequena mudança descaracterize o essencial, abrindo a possibilidade de equiparar torturadores aos que pegaram em armas contra o regime militar. A ver.

Mas é bom prestar atenção em duas coisas que a "crise do PNDH" deixou claro: dessa vez, o caldo da mídia foi engrossado por algumas organizações -- CNA, OAB-SP, setores da igreja, setores militares, a extrema-direita -- que ensaiaram uma coalizão conservadora que não havia mostrado o rosto em situações anteriores.

É importante que aqueles que se dizem de esquerda não contribuam com o crescimento e o fortalecimento dessa coalizão, com palavras e atos doidivanas. Na História brasileira, como destacou o Rodrigo Vianna, o PSD [antigo partido político, que ficava sempre entre a UDN e o PTB, uma espécie de centro político, hoje ocupado pelo PMDB] é o pêndulo: quem perde o centro, perde o poder. Quem perde a razão, também.

Leiam o livro "1964 -- A Conquista do Estado". Vale a pena.

As manifestações mais hidrófobas que vimos durante a "crise militar" mostram que os conservadores brasileiros estão perdendo a razão. Eles dispõem dos meios para propagar suas mensagens. Dispõem do oportunismo político de alguns. E dispõem de uma fatia da classe média urbana brasileira, pequena, que está absolutamente convencida de que tem um chavista no ralo do banheiro -- e a culpa é do Lula. Tenho uma vizinha, telespectadora assídua do JN, que está ameaçando o cãozinho de estimação com o grito: "Cuidado, o Vanucchi vem te pegar".

Disseminar informação de qualidade e um debate franco e honesto é a melhor forma de evitar o inchaço da legião de celerados. Descomprimir a imensa panela de pressão que é um país injusto como o Brasil requer paciência e cuidado, especialmente quando mudanças rápidas colocam em xeque um modelo concentrador de renda, de terra e de poder. Nesse contexto, Direitos Humanos representam uma ameaça por serem exatamente o que são: universais.

http://www.viomundo.com.br/opiniao/o-que-aprendi-na-polemica-do-pndh/

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A mídia de que o Brasil precisa

Conforme avisei neste blog na semana passada, na segunda-feira à noite participei de uma reunião entre respeitados empresários da mídia dita “alternativa” a fim de discutir algum modelo de organização entre blogs, sites, revistas e rádios.

Por ser fora da realidade dessa mídia a que me refiro, a televisão ficou de fora – justo esse meio que, sozinho, equivale a todos os outros juntos. Mas o fato é que televisão é só para o grande capital.

Enfim, apesar de estar disposto a me manter nesse tipo de reunião enquanto houver a menor possibilidade de se encontrar um caminho, às vezes a dificuldade de se produzir informação no Brasil me deixa um pouco desanimado, pois vejo que a coisa roda, roda e acaba desembocando no velho entrave da falta de recursos da esquerda.

Mas não importa, agora. O assunto está em discussão e duvido de que, no curto prazo, será possível encontrar um caminho. Quero tratar neste texto, portanto, de um assunto análogo, mas diferente.

Continuo me dispondo a mergulhar mais no tema que há anos domina as discussões neste blog e que até já gerou, a partir daqui, o Movimento dos Sem Mídia, pois quanto mais vou conhecendo a comunicação no Brasil mais vou construindo meu modelo ideal de comunicação e acho que vale a pena compartilhar o ponto de vista com vocês.

Um debate recorrente nos processos todos dos quais tenho participado nos últimos anos (minha análise autônoma e diária da mídia, estudos como os da Confecom ou os debates com produtores de mídia) é sobre se a mídia ideal deveria estar fragmentada por ideologia (entre direita e esquerda, por exemplo).

Vou concluindo que não. A vida moderna requer que se poupe tempo ao público. Se tenho que ler vários veículos para formar uma opinião política, por exemplo, ou descobrir para onde sopra o vento político, perco tempo numa época em que este, como nunca, é dinheiro.

Não seria excelente vocês lerem um jornal ou assistirem a um telejornal sem que, ao término da informação, achem que tentaram enrolá-los? Não seria magnífico se pudessem confiar plenamente na informação que estivessem recebendo?

Isso se chama credibilidade, e a da grande mídia, em toda a história, jamais foi tão questionada.

Creio que a mídia corporativa se corrompeu porque as novas tecnologias delegaram um poder enorme aos comunicadores. E o marco zero desse fato foi o surgimento da televisão. O poder que ela delegou foi tão grande que os empresários de outras mídias passaram o século XX buscando meios de ter uma.

Como havia pouco a distribuir e o Brasil foi atirado numa ditadura de duas décadas, os ditadores de plantão concederam televisões aos seus pares ideológicos – ou àqueles dispostos a se converter à ideologia “necessária” para se ter uma tevê.

O interessante é que aquelas concessões públicas que os poderosos de plantão concederam tornaram-se eternas, pois mecanismos legais então adotados impediram para todo o sempre a revisão delas.

Uma mídia “de esquerda”, portanto, só se justifica devido à necessidade de se conhecer os dois lados da moeda, necessidade que, apesar de hoje estar menos insatisfeita devido à internet, ainda está longe de ser atendida.

Todavia, uma mídia ideologizada, seja de esquerda ou de direita, não passa de vigarice, sobretudo quando se trabalha com concessões públicas, pois a maioria do nosso povo, ao menos, nem sabe o que é ideologia. Ou sabe?

Bem, tampouco importa. Até porque, essa mídia isenta (sem aspas) ainda é uma utopia das mais distantes que se possa conceber, pois o poder da mídia é grande demais, capaz de dar “retorno” demais para não ser usado por seu eventual detentor, seja de esquerda ou de direita.

A mídia de que o Brasil precisa, porém, deveria ser capaz de nos dar todas as informações e modelos de opinião sobre tudo sem tentar nos doutrinar tanto para um lado quanto para o outro.

Pode parecer pouca conclusão para muita reflexão, mas não é. Esse é o princípio a perseguir. O que queremos, os seres humanos, é receber a informação pronta para consumo, ou seja, sem armadilhas. Queremos ter os fatos e decidir o que fazer com eles.

Duvido que alguém discorde honestamente destas premissas. Mesmo os que se acham satisfeitos por a mídia grande lhes acariciar as idiossincrasias políticas e ideológicas sentem tanta falta do confronto de idéias que, quando o descobrem na internet, vão buscá-lo.

Alguns me chamam a atenção para como os direitistas que comentam neste blog me xingam, me acusam, mas estão sempre aqui, e para como eu critico a mídia corporativa mas, no fim, vou sempre até ela.

É porque o ser humano precisa do embate de idéias. É da nossa natureza. E digo mais: não queremos vencer adversários amarrados e amordaçados. Queremos o bom combate, os louros da vitória. No fundo somos todos assim, independentemente de ideologias.

http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Escrito por Eduardo Guimarães às 15h57