sexta-feira, 30 de abril de 2010

Vermelho: Uma afronta à memória

OAB, ONGs e até a ONU condenam decisão do STF sobre anistia do Vermelho
O grupo de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional condenou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Anistia, que perdoa crimes cometidos tanto por agentes do Estado durante o regime militar assim como por opositores do regime punidos pela legislação da época. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também condenou a decisão do STF. Para a OAB, o STF adotou o “discurso do medo” para tomar sua decisão. Até a ONU criticou a decisão e pediu o fim da impunidade no Brasil.
“A decisão coloca um selo judicial de aprovação aos perdões estendidos àqueles no governo militar que cometeram crimes contra a humanidade”, afirmou o pesquisador da Anistia Internacional para o Brasil, Tim Cahill, em comunicado.
“Isto é uma afronta à memória dos milhares que foram mortos, torturados e estuprados pelo Estado que deveria protegê-los. Às vítimas e a seus familiares foi novamente negado o acesso à verdade, à justiça e à reparação.”
Em seu comunicado, a Anistia Internacional também criticou o Brasil por não seguir o exemplo de países vizinhos como Argentina, Chile, Bolívia e Uruguai que, de acordo com o grupo, levaram à Justiça acusados de crimes contra os direitos humanos durante os regimes militares nessas nações.
Na avaliação da Anistia Internacional, a decisão do STF, tomada na quinta-feira, deixa o Brasil em desacordo com leis internacionais que não permitem exceções para crimes de tortura e execuções extrajudiciais.
O Supremo decidiu, por 7 votos a 2, rejeitar uma ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil que pedia uma revisão da lei de 1979.
Na ação, a OAB questionou se a Lei da Anistia se aplicava aos torturadores, pois considera que o crime de tortura não se inscreve entre os “crimes políticos e conexos” previstos naquele texto e, por conseqüência, não poderia ficar impune.
O entendimento do relator do caso no STF, ministro Eros Grau, foi de que não cabia ao STF legislar sobre uma revisão da Lei da Anistia, tarefa que, segundo ele, caberia ao Legislativo.
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Victória Grabois classificou de “lamentável” o voto do relator pelo arquivamento do processo, que foi seguido pela maioria dos integrantes da Corte. “Tínhamos esperança. Eros Grau foi preso na ditadura”, disse Victória.

Para OAB, STF perdeu o bonde da história

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou em nota que o STF “perdeu o bonde da história’’ ao não revisar a legislação para que torturadores fossem punidos. “Lamentavelmente, o STF entendeu que a Lei de Anistia (6.683/79) anistiou os torturadores, o que, ao nosso ver, é um retrocesso em relação aos preceitos fundamentais da Constituição e às Convenções Internacionais, que indicam, de forma muito clara, que tortura não é crime político, mas crime comum e de lesa-humanidade, sendo portanto imprescritível”, disse o presidente nacional da OAB, criticando duramente a decisão.
Ele reconheceu, contudo, que não houve surpresa na decisão, já que pessoas ligadas ao Judiciário já teriam adiantado a derrota. “Isso demonstra o conservadorismo do Supremo. Isso demonstra o conservadorismo da sociedade”, disse Cavalcante.
Ophir entende que a “OAB fez a sua parte, ao exercer a cidadania na sua plenitude, interpretando o sentimento da sociedade, que queria que essa questão, fosse debatida”. E acrescentou: “A decisão do Supremo reproduz o discurso daquela época sombria em que se vivia sob o medo e sem liberdade. Caberá a história julgar a decisão do Supremo”.

ONU pede fim da impunidade

A principal autoridade das Nações Unidas para direitos humanos, a sul-africana Navi Pillay, também criticou nesta sexta-feira (30) a decisão do Supremo e pediu o fim da impunidade no Brasil. “Essa decisão é muito ruim. Não queremos impunidade e sempre lutaremos contra leis que proibem investigações e punições”, disse a alta comissária da ONU para Direitos Humanos.
No ano passado, durante sua primeira visita ao Brasil, Pillay já havia alertado que o País precisava “lidar com seu passado”. Há dois meses, em um encontro com o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, voltou a falar do assunto em Genebra, dando apoio a iniciativas que levassem a um fortalecimento da idéia de interpretar a Lei de Anistia à luz das leis internacionais de direitos humanos.
Pillay, que foi também quem julgou os casos de crime de guerra no Tribunal da ONU para Ruanda, confirmou que havia sido informada da decisão do Supremo e não disfarçava que a decisão não havia sido bem recebida na ONU. “Fiquei sabendo sobre isso hoje pela manhã”, disse, em tom de desagrado.
Ela se diz surpresa com o fato de o Brasil estar seguindo uma direção diferente ao que ocorre na Argentina e outros países latino-americanos em termos de investigações contra os responsáveis por torturas durante os regimes militares.
No Comitê contra a Tortura da ONU, os peritos independentes também não pouparam críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal. O Comitê é formado por juristas de reconhecimento internacional, vindos de todo o mundo.
“Isso é incrível e uma afronta. Leis de anistia foram tradicionalmente formuladas por aqueles que cometeram crimes, seja qual for o lado. É um auto-perdão que o século XXI não pode mais aceitar”, afirmou o jurista espanhol do Comitê da ONU, Fernando Mariño Menendez. “O Brasil está ficando isolado. Parece que, como na Espanha, as forças que rejeitam olhar para o passado estão prevalescendo”, disse, insinuando uma crítica também à situação em seu país onde o juiz Baltazar Garzon pode perder seu posto diante da tentativa de abrir os arquivos da Guerra Civil, há mais de 70 anos.
“Há um consenso entre os órgãos da ONU de que não se deve apoiar ou mesmo proteger leis de anistia. Com a decisão tomada pelo Supremo brasileiro, o País está indo na direção contrária à tendência latino-americana de julgar seus torturadores e o consenso na ONU de lutar contra a impunidade”, afirmou o perito contra a tortura da ONU, o equatoriano Luis Gallegos Chiriboga.
Ele lembra ainda que não há prescrição para os crimes de tortura. “Sociedades que decidem manter essas leis de anistia, seja o Brasil ou a Espanha, estão deixando torturadores imunes à Justiça que tanto se necessidade para superar traumas passados”, disse.
Outro perito do Comitê contra a Tortura, o senegales Abdoulaye Gaye, também mostrou ontem sua indignação. “Não há justificativa para manter uma lei de anistia. Se uma Justiça decide mante-la, isso é um sinal de que não quer lidar com o problema da impunidade”, afirmou.
Na ONU, cresce a pressão para que leis de anistia sejam abolidas em todo o mundo. Há poucos meses, a entidade recomendou à Espanha que julgasse finalmente os crimes cometidos na Guerra Civil. Sobre o Brasil, o tema da anistia está na agenda da ONU há uma década. Em 2001, um comitê da ONU sugeriu pela primeira vez ao governo brasileiro que reavaliasse sua lei de anistia. Os peritos já deixaram claro que o Brasil não conseguiria esclarecer seus problemas em relação à tortura e superar a impunidade se não lidasse com seu passado.


Da redação,

com agências

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/vermelho-uma-afronta-a-memoria.html

2 comentários:

  1. Boa tarde Jacimar!!

    A matÉria postada é de extrema importância, não só para esclarecer e acalentar famílias que até hoje, vivem sobre o dilema... O que houve com meus filhos. Meu marido.. Meus parentes e amigos?

    Mas talvez você não tenha atentado para um detalhe da História!!

    Muitos dos fatos ocorridos ao longo da história, muitas das vezes se tornam segredos de Estado.
    O que significa issso?
    Significa que, se o regime que substituiu o anterior, como no caso o nosso, chamado de Democrático, após o fim da ditadura militar, que findou-se em 1984. Onde você pode ver, é muito recente esse processo, onde com certeza houve um grande acordão entre o antigo governo "O Militar" e, o novo que veio a atuar com o Palanque das Diretas Já..
    Você na época tinha apena 2 anos de idade, mas provavelmente deve ter lido o bastante para entender mais ou menos como funcionou essa passagem de Governo.
    Em seu último mandato no atual governo militar, onde o Presidente foi o Gal Figueiredo, foi quem deu início a bertura a anistia política aos exilados e, aos que participaram dos tais crimes contra o governo na época "Manifestantes".
    Mas na verdade, essa anistia só se deu por conta da atual situação em que o país vivia. Num profundo caus finaceiro e, de hiperinflação. Todos os mecanismos possíveis para retomar a economia do país haviam se esgotado, devido aos escândalos de corrupção e desvio de verbas públicas, através de obras faraônicas, onde algumas nunca foram concluídas.
    Mas voltando ao assunto em pauta!!!
    Como havia dito, é muito cedo para se abrir de fato, arquivos onde irá mostrar de fatos todos os atos barbários cometidos na época da ditadura mlitar.
    Porque?
    1 - Muitos dos criminosos estão vivos ainda.
    2 - Muitos desses criminosos estão, ou fazem parte do poder hoje... Tanto na camara dos Deputados, bem como no Senado e em outras esferas do Governo.
    3 - Enquanto os principais culpados por tais barbaries estiverem vivos e na ativa, nada vai ser feito para se mostrar a verdade ao povo.

    Esse exemplo você vê hoje nos casos de Pedofilia que ocorreram dentro do clero da Igreja Católica. Sendo que dentro dessa Hierarquia, a da Igreja Católica, houve casos excepcionais, onde envolveram crianças e familiares. Daí a repercursão mundial na imprensa.
    Ainda é cedo para se abrir os arquivos da ditadura no Brasil, visto que, nã interessa aos agressores sofrerem uma abate maior do que já vem sofrendo o País, com tantos escândalos de corrupção nos Três Poderes.

    Marcio RJ

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  2. Então Marcio, justamente por causa desses acordos na época da criação da lei, é que não podemos hoje permitir que tais acordos sejam reafirmados. Foi um absurdo a sua reafirmação no STF!
    Sei que existem as partes interessadas tanto nos meios políticos quanto nos meios jurídicos e empresariais. É justamente por isso que manifesto meu repúdio aqui.

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